Para todos verem: a imagem de uma foto antiga em preto e branco mostra um cenário rural com várias pequenas estruturas, remetendo a uma fazenda ou sítio de época passada. No centro da imagem há uma grande árvore de tronco grosso e galhos amplos, ocupando boa parte da área superior da foto. Em volta da árvore existem pequenas construções de madeira, que parecem ser gaiolas ou currais, com telhados simples. O chão é de terra e há um caminho onde há pequenos animais caminhando.
Eram só dois açudes tranquilos, pensados para criação de peixe, no quintal da casa de Hermann Weege. Água fresca, sombra generosa, silêncio. Um pequeno oásis dentro do terreno. E como todo oásis, começou a atrair vida.
Primeiro vieram as capivaras, depois as cutias, as saíras e uma dezena de aves que descobriram ali um porto seguro para se refrescar. Apareciam a qualquer hora, sem se esconder, como se soubessem que aquele era um território protegido, como um santuário.
Num desses fins de semana, Hermann, olhando pela janela, sorriu:
— Pauline, está vendo isso? É tanta ave bonita reunida. Acho que isso tem algum significado.
A esposa, prática como sempre, respondeu entre um gole e outro de café:
— Significa que teus açudes viraram ponto de encontro de bicho, igual ao bar do Zastrow para os funcionários, quando saem da fábrica. E se começar a aparecer cobra, não diga que eu não avisei.
— Eu acho que a gente devia arrumar, para deixar vir mais. Vai ver é um sinal. Alguma coisa maior está por vir.
E estava. Hermann começou a alimentar especialmente os pássaros e pequenos animais. Aos poucos, o quintal virou um parque particular de fauna.
Na época, era comum, nas famílias mais abastadas, criar aves silvestres, a exemplo de araras, tucanos e papagaios. Era uma tradição herdada da Europa dos “gabinetes de curiosidades”, como símbolo de luxo e do fascínio pelas espécies tropicais. Mas, para Hermann, não era apenas vaidade: havia ali um prazer genuíno em observar e cuidar.
Por volta de 1930, o espaço tomou forma de zoológico particular. No início, mantendo aves e pequenos mamíferos da mata regional. A vizinhança colaborava:
— Herr Weege! Apareceu um filhote de gato-do-mato incomodando as galinhas lá na propriedade. É muito bonito para matar. O senhor aceita ficar com ele?
Quando viu, Hermann já tinha mais bichos do que queijos parmesão maturando nas prateleiras da fábrica. Em 1932, decidiu abrir as portas para visitação pública. Era um atrativo para toda a gente da região, que aproveitava para conhecer os animais e, de quebra, ir fazer compras na Casa Comercial Weege.
O sucesso foi tamanho que, em 1940, Hermann registrou oficialmente o empreendimento no Ministério da Agricultura, tornando o Zoológico de Pomerode o primeiro zoológico particular licenciado do Sul do Brasil — e um dos pioneiros do país, criado muito antes de outros conhecidos, como o Zoológico de São Paulo, fundado só em 1958.
Com a fama, começaram a chegar espécies cada vez mais exóticas, vindas de terras distantes e nunca antes vistas no Rio do Testo. Vieram pumas, onças pretas, leões, além de serpentes, pavões e peixes ornamentais. Alguns chegavam de circos, outros por troca, e uns… por meios pitorescos.
— Você teve alguma história de susto na estrada, Valmor? — perguntou Johann, jogando conversa fora na garagem da Companhia Weege, enquanto aguardavam o conserto do caminhão.
— Rapaz, tive sim… Na vez em que me mandaram trazer o tigre.
— Como assim, tigre!? — assustou-se o colega.
— Um tigre, oras, pro zoológico! Deixei as entregas lá pra cima, em São Paulo, e na volta peguei o bicho, à noite. Veio numa jaula que não era muito forte, disfarçada no meio do caminhão por caixas em volta.
— Mas e daí, o que foi que te aconteceu?
— Daí que, pela viagem toda, ele respirava fundo e rosnava naquela caçamba, feito um Jeep engasgado. Quando o caminhão passava num buraco, ele rugia, e eu quase morria junto!
— E o que tu fez, homem?
— Nada! Só tentei dirigir o mais ligeiro possível, sem solavancos. Se ele se enfurecesse feio, arrebentasse a grade e saísse da jaula, nem daria tempo de eu rezar. Eu virava janta na hora! — suspirou, em alívio, o funcionário.
Embora os felinos fossem um disputado espetáculo à parte, quem reinou como símbolo do zoológico por anos foi o urso-pardo. Forte, fotogênico, estampava placas e anúncios. Foi dele que nasceu uma das lendas urbanas mais persistentes sobre Pomerode: a do menino que caiu no fosso do urso.
Ninguém sabia dizer o nome do garoto, mas todos juravam conhecer “alguém que conheceu alguém que viu”.
Verdade ou não, era fato que a jaula ficava embaixo de uma ponte com um murinho nada confiável. Se algum visitante travesso se pendurasse ali, cair era bem possível. Então, a história servia de aviso pelo menos às crianças mais novas, que acreditavam piamente no trágico conto.
Mas nem tudo era lenda. O macaco Bilu, exemplar de primata de personalidade forte que atirava fezes no público, existiu. E como existiu!
Chegou bebê e, como uma criança, foi criado com fralda e mamadeira. Cresceu exibido, amado e temido: um pouco rei, um pouco palhaço. Viveu 18 anos entre aplausos e rebeldias. Fumava escondido, bebia goles de cerveja de visitantes descuidados e tinha talento natural para acertar com cocô quem o olhasse torto.
Mas o zoológico, nos seus primeiros tempos, não servia apenas como espaço de exibição de espécies ilustres. Servia também de palco para encontros sociais com ilustres figuras. Perto da área dos cervos, mais aos fundos, duas grandes mesas de madeira sempre recebiam autoridades para café, cuca e longos almoços, onde conversas importantes aconteciam.
Numa dessas ocasiões, reuniram-se Arno Weege, então vereador representante de Rio do Testo na Câmara de Blumenau pelo Partido Social Democrático (PSD), junto do irmão Victor Weege, que já havia ocupado o mesmo cargo anos antes, e o também vereador do distrito Wadislau Constansky, da União Democrática Nacional (UDN).
A tiracolo, estava o escultor Ervin Curt Teichmann, nome ativo das associações culturais e reconhecido líder comunitário. Entre bons goles de cerveja e olhares atentos ao movimento dos visitantes, eles conversavam sobre os próximos passos para a emancipação do distrito.
— Meus bons vereadores! — soltou Teichmann, com ar professoral — Isso aqui é prova de que Pomerode já é mais que um distrito. Temos indústria, comércio, cultura… e até zoológico! É município pronto!
— Não discordo em nada, Teichmann — respondeu Arno.
— E não venham com essa bobagem de “Rio do Testo” no nome. Pomerode é como sempre foi chamado, é a nossa identidade. Se não colocar isso na petição, Arno, eu mesmo vou a Blumenau fazer escarcéu!
Constansky riu e aconselhou, em tom de deboche:
— Olha que ele é capaz, Arno! É melhor ouvir o homem.
Victor, por fim, concluiu a discussão:
— Bom, se o zoológico já é conhecido como sendo de Pomerode, acho que a cidade merece mesmo adotar o nome.
E assim foi, por décadas, o zoológico como orgulho maior do município emancipado, sendo considerado o seu primeiro atrativo turístico. Nos anos 1980 e 1990, porém, enfrentou dificuldades financeiras e críticas às condições do espaço.
Em 1992, a criação da Fundação Hermann Weege marcou uma nova fase ao empreendimento. O que começou como projeto familiar virou instituição profissional dedicada à conservação da fauna e à educação ambiental. A virada veio mesmo nos anos 2000, com reformas para atender à evolução das normas ambientais e trazer novo foco ao bem-estar animal.
Hoje, visitar o Zoo Pomerode é, ao mesmo tempo, um divertido passeio e uma verdadeira aula. Pelos recintos e corredores, busca-se despertar nos visitantes a mesma curiosidade e carinho que Hermann sentiu ao ver os primeiros bichos aproveitando seu quintal, pela janela de casa.



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