Para todos verem: a imagem de uma fotografia em preto e branco mostra uma paisagem rural com duas casas simples no meio de uma área com bastante vegetação, próximo a um rio, embora o rio não seja totalmente visível. A casa em primeiro plano é pequena, clara e tem um telhado que parece ser de metal ou algum material liso. A segunda casa, mais ao fundo, é maior e é feita em técnica enxaimel. A área ao redor das casas é composta por pedras, um terreno irregular e muitas árvores, indicando um ambiente natural montanhoso. A foto parece antiga, dada a tonalidade e a qualidade da imagem.

Se tem algo que guiou a vida dos imigrantes no Vale do Itajaí, desde o primeiro dia, foi a água.

O fundador, Hermann Bruno Otto Blumenau, escolheu a dedo o último ponto navegável do Rio Itajaí-Açu como local para abrigar as terras da sua colônia, por onde os negócios poderiam alcançar o litoral e o resto do mundo. Os rios eram estrada, fonte e correio, levando e trazendo gente, mercadoria e notícias.

Seguindo esse modelo, cada curso d’água tinha importância estratégica aos colonos na nova terra. Não apenas para matar a sede, mas para dizer onde plantar, construir e por onde andar. O Rio do Testo e seus afluentes, aliás, foram a espinha dorsal dos pequenos núcleos agrícolas que mais tarde dariam origem à cidade de Pomerode.

Os lotes coloniais da região, abertos para aproximar a Côlonia de Blumenau à Colônia de Dona Francisca, eram sempre repartidos junto à beira d’água para garantir o sustento agrícola e a subsistência das famílias assentadas. Porém, mais tarde, quando o barulho das máquinas industriais chegou ao Vale do Rio do Testo, ficou claro que a água abundante também seria combustível para muito mais.

Em 1908, a Stadtplatz Blumenau quis mostrar que estava em dia com o ritmo do progresso mundial. Pela mão de Frederico Guilherme Busch Sênior, viu serem acesas, de uma só vez, mais de 100 lâmpadas de luz elétrica, uma novidade tecnológica que ainda engatinhava em diversas partes do Brasil.

A energia vinha de uma usina particular que o empresário havia montado na região do Gasparinho, e que logo ficou responsável para fornecer força elétrica ao Município. Até a firma Bromberg, Hacker e Companhia, acompanhando a velocidade do progresso industrial local, surgir com o ousado plano de erguer a Usina do Salto Weissbach, aproveitando as corredeiras do Itajaí-Açu, em 1913.

Enquanto isso, na Vila do Rio do Testo, Hermann Weege, sendo o principal “vendeiro” do território, como eram chamados os comerciantes locais, se mantinha como o grande importador de novidades à comunidade. Inspirado pelo que via na Stadtplatz, marcou uma reunião com Busch. Queria entender, nos mínimos detalhes, como fazer chegar o milagre da eletricidade até a Pommeroda.

O encontro aconteceu no escritório de Busch, com mapas da região espalhados sobre a mesa e cheiro de café recém-passado.

Herr Busch! Preciso que me explique. O que é preciso para trazer luz ao Rio do Testo? — começou Hermann, sem rodeios. — Quero modernizar meus negócios e a vila, tudo em conjunto.

Busch o fitou por cima dos óculos, como quem mede o tamanho da ambição.

— Weege, a eletricidade não é só luz… é musculatura para o mundo moderno! Com ela, o amigo vai ter outra dimensão sobre seus limites. Tenha a certeza, vai criar novos negócios e ascender o Rio do Testo no mapa do progresso.

— Acho muito que bem. E quanto ao custo? — perguntou Hermann, já prontamente com o lápis na mão.

— Custo? — Busch sorriu. — Pense como investimento! A água vocês têm de sobra. Escolha o lugar certo, construa a usina e nunca mais vai depender de vapor para tocar nenhum maquinário. Não há dinheiro suficiente que pague por isso.

Hermann assentiu, com a cabeça cheia de planos. Saiu dali com a convicção de que, se Blumenau podia ter luz, o Rio do Testo também poderia. E teria. O ponto escolhido a dedo para abrigar a usina, tal qual Doutor Blumenau fez na altura da criação da Colônia, foi o Ribeirão do Salto, afluente do Rio do Testo, de Pomerode Fundos.

Ficava, de fato, bem mais longe das instalações da empresa, em relação ao curso do Rio do Testo. Mas ele conhecia cada pedra dali, uma vez que sua família se instalara naquela região ao chegar da Pomerânia.

A área, em declive, era uma verdadeira pintura poética: água límpida correndo entre pedras, cercada por mata fechada e com quedas d’água que cantavam mais alto na época das chuvas.

Entre 1915 e 1916, se deram os trabalhos para a erguer a usina. No coração do projeto, estava a Casa da Usina, feita em enxaimel, que serviria como uma sede administrativa do pequeno império elétrico que estava nascendo.

Hermann, bastante empolgado, fazia sempre questão de acompanhar de perto os avanços, sujando os sapatos na beirada da obra.

— Vamos, homens! O que vocês estão fazendo aqui vai girar a engrenagem que vai dar vida nova à vila inteira! — dizia, com seu jeito de convencer freguês que ninguém esquecia.

— Herr Weege, nunca pensei que madeira, ferro e tijolo pudessem fazer tamanho milagre! — brincou um operário.

Hermann sorriu:

— E não é qualquer milagre, meu bom homem! Vai render trabalho na fábrica e baile até depois da meia-noite! É isso que vocês estão construindo. Agora, ajustem esse encaixe antes que escureça!

Em 1916, as turbinas começaram a girar. A prioridade era abastecer a Companhia Weege, mas o excedente ia para a Vila do Rio do Testo.

Quem morasse no caminho da energia até a fábrica e quisesse se ligar à rede, tinha autorização. Foi assim que, pouco a pouco, as casas começaram a ganhar lâmpadas, a Igreja Luterana da Paz acendeu suas primeiras luzes e até alguns estabelecimentos comerciais puderam trabalhar até mais tarde.

Contudo, os anos passaram e, com o crescimento da firma, nas estiagens, as águas do Ribeirão do Salto sozinhas já não davam mais conta de produzir o necessário. Para resolver a questão, na década de 1920, Hermann teve a ideia de construir uma represa em Pomerode Fundos.

Criou pois o espaço que ficou conhecido como a “Lagoa do Weege”, que veio garantir volume e regularidade no fornecimento. Em 1939, inclusive, a usina foi ampliada para rede trifásica de 220 volts.

Na segunda metade dos anos 1940, a represa rompeu. Antes de falecer, em 1947, Hermann ouviu dos filhos Arno e Victor a promessa de reconstrução. Entre 1949 e 1950, ela voltou a funcionar, ainda mais poderosa e segura.

E até quando os trabalhos da Companhia Catarinense de Electricidade começaram a operar por Pomerode, o excedente da energia gerada seguiu abastecendo a comunidade — inclusive os disputados bailes do Clube Pomerode, como Hermann bem tinha prometido ao operário.

A lagoa, por sua vez, se manteve também para além de fonte de energia. Originalmente, o acesso até o local era difícil, mas com os avanços na infraestrutura do território, passou a se tornar um ponto de lazer para os moradores, que aproveitavam o espaço para pescar, andar de barco e fazer piquenique.

O feriado de 15 de novembro, inclusive, era data oficial da pescaria, com direito às boas e velhas “histórias de pescador”.

— Olha, Jost, eu juro que peguei um que pesava mais que minha sogra — retrucou Armim, rindo. — E você sabe que minha sogra não é leve!

— Ah, claro… mas duvido que chegou aos pés do que fisguei no ano passado. Tinha pelo menos um metro e meio! — desafiou Jost, segurando os braços abertos como quem descrevia uma baleia.

Conta-se que os habitantes da região da antiga Pomerânia mantinham um vínculo profundo com a água. Antes da cristianização, o seu povo — que tinham lagos, rios e mar como parte essencial da subsistência — realizava cultos dedicados às divindades da natureza.

Um antigo dizer afirmava: “onde tem pomerano, há de haver uma lagoa”. Eis que a tradição parece ter se repetido entre os descendentes na nova terra, onde, desde o início, a vida da comunidade só foi tão próspera graças à força das águas.

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