Para todos verem: a imagem de uma fotografia em preto e branco mostra uma construção antiga de dois andares, com detalhes arquitetônicos que sugerem um estilo colonial. A fachada tem várias janelas e portas, algumas com arcos, e uma escadaria que leva à entrada principal. Há janelas na parte superior e uma chaminé visível no telhado. Na frente, há um grupo de pessoas com tonéis, usando roupas claras de estilo que remete à primeira metade do século 20. Também há palmeiras ao redor do prédio, uma delas com folhas muito visíveis à direita da imagem.
Para Hermann Weege, a ideia de que prosperar em conjunto era mais fácil do que vencer sozinho fazia um especial sentido na vida do Rio do Testo.
Era um dos princípios do cooperativismo, sistema surgido na Europa industrial nos meados do século 19. Um assunto do qual ouvia homens de negócios bradarem, de modo acalorado e respeitável, desde a época em que era um comerciante aprendiz.
A essência prática da coisa toda do coperativismo era muito simples de ser entendida: com cada um a ajudar um pouco, todos tinham o que sair ganhando. Por isso, o vai-e-vem das leiteiras a descerem cheias das carroças, no pátio da Casa Comercial, era algo que desde sempre chamou-lhe a atenção.
Hermann sabia que o excedente poderia ser um bom negócio tanto para si, como para os demais. Tanto foi que, em 1918, montou a fábrica de laticínios como uma extensão das suas atividades, em parceria com os colonos.
Mas vale dizer que mesmo quando a empreitada tem tudo para ser promissora, o avançar de um novo negócio é como queijo em maturação: leva tempo, exige cuidado e, às vezes, fede, antes de ficar bom. Acredite, nos primeiros anos, uma das maiores dores de cabeça passou a ser justamente o abundante leite.
Ou melhor, o que alguns produtores achavam que poderiam diluir nele. Para lucrar mais com o volume entregue, havia quem repassasse à fábrica galões com um líquido tão suspeito, que até as vacas teriam negado autoria.
— Nós precisamos de uma solução definitiva. Essa história de urina no leite já passou do aceitável — esbravejou o jovem Victor, visivelmente preocupado.
— Aceitável, nunca foi — retrucou Hermann ao filho.
— Mas parece que alguns acham que é. Com essa criatividade de sobra e escrúpulo de menos, sabe-se lá o que ainda são capazes de inventar e colocar!
— Precisamos é de alguém mais esperto do que eles, para inibí-los disso — ponderou Hermann, em tom de quem já trazia o desfecho na ponta da língua.
— Explique, em claro e bom tom, por favor. O que o senhor tem em mente?
— Você vai estudar para aprender a diferenciar o leite de vaca de qualquer que seja a contribuição indesejada. Você vai virar químico. Assim, vamos poder seguir e ampliar a produção, sem perder o olho sobre a qualidade.
A missão dada ao herdeiro não era, nem de longe, um castigo. O segundo filho da prole gostava muito de jogar futebol, mas gostava ainda mais da ideia de cumprir com mérito as ordens do pai. E assim o fez.
Após concluir os estudos no antigo Gymnásio Catharinense, em Florianópolis, seguiu rumo à grandiosa cidade de São Paulo, onde o mais velho entre os irmãos, Albrecht, buscou seguir o caminho de representante comercial. Por lá, Victor frequentou a Escola Politécnica de São Paulo e formou-se em Química, conforme o combinado.
Victor, além de tudo, havia herdado de Hermann não só o sobrenome e o hábito de usar calças bem passadas, como também o imenso interesse por novidades, pela excelência e pelo progresso. Era sujeito bom de conversa e tinha o costume de transformar qualquer papo de corredor num convite ao conhecimento.
Quando voltava de viagens de férias, era comum que trouxesse livros de presente aos funcionários afim de mostrar-lhes, por meio de mapas ilustrados e almanaques culturais, um pouco do Brasil que existia para além dos limites de Blumenau.
No dia a dia da Indústria e Comércio Hermann Weege S.A., Victor aprimorou o beneficiamento do leite, o manuseio de carnes, organizou a produção com precisão laboratorial e ainda encontrou espaço para inovar.
Foi ele quem introduziu a produção de tintas à base de caseína, proteína encontrada no leite, e também de cola química, antecipando tendências que nem haviam sido batizadas de industriais ainda. Afinal, se algo definia o ritmo do Complexo Weege, era ser plural.
Quando o caminhão buscava o leite nos produtores rurais, já se aproveitava o trajeto para entregar as correspondências da comunidade. Produziam o gelo que abastecia as festas dos clubes de tiro, regadas às boas cervejas que vendiam pela Casa Comercial, enquanto fabricavam latas e geravam energia elétrica.
Em 1936, a fábrica recebeu alvará para a venda de produtos alimentícios para fora do estado. Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e até os longínquos Amazonas, Pará e Rondônia passaram a figurar como mercados que a marca tratou de alcançar. Queijos, manteiga, embutidos — tudo deixava a fábrica no Distrito do Rio do Testo com padrão e sabor exemplares, entregando pelo Brasil afora uma boa reputação às terras de Blumenau.
Entretanto, um item específico acabou se tornando o maior agente publicitário desse nome. Uma receita especial da casa, que ficaria conhecida através de gerações como a famosa “Linguiça Blumenau”. A criação, como não poderia deixar de ser, foi ideia de Hermann, inspirada nos moldes de uma linguiça germânica chamada Mettwurst.
Nascidos em tempos em que a refrigeração era luxo inexistente, a arte de conservar carnes era conhecimento de sobrevivência. A primeira geração da colônia buscou honrar, debruçada na memória familiar, o saber fazer das linguiças e salsichas que eram ícones da mesa de origem alemã.
Aliás, a quantidade de carne suína consumida na nova terra era de dar gosto, diferente da vida dos antepassados. Por isso, depois da fábrica de laticínios, foi passo natural para Hermann tratar de abrir um abatedouro de porcos e o frigorífico.
Os embutidos Weege faziam sucesso. Mas nenhum deles chegou perto do prestígio daquela linguiça de aspecto curioso: por fora seca; por dentro, de interior mole, como um patê.
Para ser feita, levava somente o que havia de melhor entre os ingredientes — paleta, pernil e toucinho suíno — com precisão e método. Passava pelo menos dois dias em defumadores abastecidos com carvão e serragem para garantir a umidade exata e o sabor encorpado.
Como tudo o que dá muito certo, logo começaram a surgir imitações. Outros frigoríficos da região passaram a fabricar suas variações da receita original do Weege e a vendê-las com entusiasmo. Até pelo Alto Vale, em Bela Aliança e Hamônia, cada qual queria partilhar o seu pedacinho da “Linguiça de Blumenau”.
Hermann via tudo com um misto de ironia e azedume.
— Estão a ver o que esses andam a enfiar nessas versões? — resmungava, com tom de deboche e sobrancelhas franzidas.
— Se a gente inventa uma coisa boa, é normal aparecer alguém a querer ganhar junto, papai. — contemporizou Victor.
— A nossa acaba por ser a mais cara, porque é a linguiça mais gostosa. Mas alguém deveria ficar de olho nisso! — preocupava-se Hermann.
— Dessa vez, fique tranquilo! — devolveu Victor, a rir sozinho. — Não será preciso formar especialista para inibí-los de nada. Como o senhor sabe, nesse ramo, nem com ajuda, nem com a melhor das intenções. Só prospera quem fizer bem feito.



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