Para todos verem: imagem de uma fotografia em preto e branco mostra uma casa com arquitetura que lembra o estilo colonial ou do início do século 20. A casa tem um telhado de duas águas com telhas aparentes, uma varanda com colunas retangulares e uma área murada na frente feita com pilares e grades. Há uma árvore grande e frondosa ao fundo, e a casa está rodeada por vegetação, sugerindo que está localizada em uma área mais rural ou de campo. A foto tem bordas com aparência desgastada, reforçando o aspecto antigo da imagem.
Do outro lado, onde a rua Paulo Zimmermann se encontrava com os prédios do Weege, ergueu-se, em 1939, a casa de Victor Weege, o químico da fábrica e herdeiro do sobrenome mais sonoro daquelas bandas.
Com quase 500 metros quadrados, dois pisos, telhado imenso e elegante, janelas altas e numerosas, muro baixo e um caprichado jardim, tornou-se ponto de referência naquele traçado urbano. A residência surgia no coração do terreno, fazendo frente tanto para a fábrica quanto para a Casa Comercial Weege.
Até meados dos anos 1970, antes da existência da rodovia ligando Blumenau a Joinville, o Rio do Testo servia de rota estratégica entre as duas maiores cidades da região. A Firma Weege, bem no centro do distrito, ocupava posição privilegiada nesse caminho.
Não era raro que tropeiros, vendedores e viajantes que passavam por ali reduziam o passo, apenas para admirar melhor a imponência da construção. Por vezes, visitantes, encantados, fotografavam a residência para guardar lembrança. Ao voltar para casa, revelavam as imagens e enviavam cópias aos Weege, como se dissessem: “vimos, admiramos e queremos que saibam disso”.
A casa inspirou inclusive projetos em outras cidades. Houve até uma família paulista que, fascinada pela fachada, pediu ao arquiteto uma réplica exata, tijolo por tijolo, a ser erguida no interior de São Paulo. Mas, por mais fiel que fosse a cópia, não havia como reproduzir o magnetismo, difícil de explicar, que a original possuía à beira do Rio do Testo.
No térreo, ficavam as salas de estar, de jantar e a Bauernstube, que comportava quase vinte pessoas em torno de uma única mesa. A cozinha, espaçosa e moderníssima para a época, possuía móveis metálicos feitos sob medida e era território dos aromas e da conversa paralela dos empregados.
Do lado de fora, uma varanda frondosa convidava à contemplação. No quintal, o jardim impecável dividia espaço com a horta, o poço d’água decorado e um galinheiro para 200 aves, cujos ovos abasteciam tanto as receitas caseiras quanto as vendas no comércio da família.
No segundo piso, alcançado por uma escada central, encontravam-se quartos amplos, varandas generosas e uma suíte de visitas, que era um símbolo de alto prestígio. Receber hóspedes de fora, especialmente de Blumenau ou Florianópolis, era sinal de destaque na rede social da época.
O Rio do Testo era um distrito pacato de cerca de sete mil habitantes, mas os Weege acompanhavam, no seu compasso próprio, os hábitos das elites do Sul do país. Para os moradores locais, aliás, a casa de Victor Weege chamava mesmo a atenção era pelo estilo de vida que abrigava.
As recepções que se sucediam eram momentos de exibição, não no sentido espalhafatoso, mas naquele “fazer sem parecer” típico da alta sociedade. Tudo com o zelo de quem sabia que a boa hospitalidade também era uma forma de negócio.
A impecável esposa de Victor, Leyla Grossenbacher Weege, mulher viajada e de gosto exigente, encontrava o seu refúgio social na casa de chá, construída aos fundos junto ao jardim, sobre o rio. Lá, recebia periodicamente as amigas, especialmente as damas de Blumenau, sua terra natal, para cafés e partidas de carteado.
— Minha querida, este bolo de nozes está uma delícia! Lembra-me um que comi certa vez numa confeitaria em Viena — disse Frau Schwabbe, ajustando o denso colar de pérolas.
— Imagino! Mas digo que o segredo desta perdição não está na receita, e sim na manteiga… fresquíssima. O padrão de qualidade é recebê-la nem meia hora depois de pronta na fábrica — respondeu Leyla, com um sorriso seguro.
A conversa, entre goles e risos contidos, se seguia com a mesma pompa e etiqueta que se via nos salões do Hotel Oásis, também situado no centro do distrito, a poucas ruas dali. Inspirado no monumental Palácio Quitandinha, do Rio de Janeiro, o Oásis despertava curiosidade: muitos se perguntavam o que fazia uma estrutura tão suntuosa naquele interior de meu deus.
Com fachada imponente que lembrava a de um castelo, era reconhecido como um dos raros hotéis de luxo que existia no Sul do Brasil em meados do século 20. Sob comando do imigrante alemão Hermann Germann, o hotel oferecia festas de vanguarda que atravessavam a madrugada, com orquestras nacionais e internacionais, decoração temática e um desfile de trajes refinados.
Os Weege também frequentavam o Oásis, afinal, era por lá que o Rio do Testo reunia sua elite cultural, empresarial e política. E não só a local, como regional, catarinense e até mesmo a nacional era vista — uma vez que até os presidentes Getúlio Vargas e Jânio Quadros chegaram a circular por aqueles aposentos.
Mas a família Weege bem preferia as festas organizadas em casa, onde o requinte tinha um toque mais íntimo: risadaria, boa cerveja e mesa farta.
Entre 1940 e 1960, Victor e Leyla comandaram muitos encontros. Mas nos tempos de pós-guerra e da ressaca do nacionalismo, era menos sobre “aparecer” e mais sobre se cultivar alianças, reforçar amizades e alimentar discretamente o burburinho social.
Já nos anos 1970 e 1980, o filho Juergen e a nora Monika herdaram a vocação. Com o espírito mais descontraído da época, promoviam recepções animadas, abertas a amigos, com música e churrasqueira em plena atividade. Indiferente da década, se o grandioso portão de ferro da entrada principal estivesse aberto, era sinal de que haveria festa.
— Ouvi dizer que, nesse fim de semana, nos 15 anos da filha mais velha do Juergen Weege, serviram champanhe francês — cochichou Frau Strassmann, enquanto a cabeleireira ajeitava os rolos de seu cabelo.
— Isso não é nada! — retrucou Dona Ruth, arregalando as sobrancelhas. — Soube que fizeram o namorado dela, lá de Blumenau, vestir-se de príncipe e chegar montado num cavalo branco para a valsa!
— Foi para a história do bolo vivo, que a filha do Siewert inventou de trazer para a festa? Falaram que uma das damas tropeçou e quase incendiou o cabelo da aniversariante! — completou Sônia, a cabeleireira.
O salão de beleza inteiro caiu na risada. Cada uma das clientes que saiu de lá, voltou para casa com uma versão própria da história.
A festa de aniversário do qual tanto falavam era de Heike, a neta de Victor Weege, que havia acontecido na Garten Haus, a antiga casa de chá da avó Leyla. Com direito a uma ampliação improvisada pelo pai, usando estrutura de bambu e lona, reuniram-se cerca de 60 convidados entre colegas da jovem, amigos do pai e familiares.
O ponto alto da festa foi, de fato o tal “bolo vivo”, ritual tradicional de festejos de debutantes. O clima, na verdade, foi de surpresa e encantamento, já que a própria Heike desconhecia os planos da dança.
A coreografia começava com os casais dispostos em uma grande roda: as moças à frente, segurando velas decoradas com arranjos de flores artificiais, e os rapazes logo atrás. No centro, a aniversariante, vestindo um longo amarelo-claro, iniciou a valsa com seu par e, à medida que a música tocava, se aproximava de cada casal e apagava, uma a uma, as velas.
Assim que a chama se extinguia, o próximo casal começava a dançar também, e pouco a pouco, vela por vela, a roda ganhou movimento, transformando-se em um baile animado. Depois da valsa, o rock em vinil tomou conta do salão até tarde da noite. Mas nem de longe houve cavalo branco, cabelo queimado ou champagne francês, nem nada.
Heike, a mãe e o irmão viveram na casa por muito tempo, mesmo após a morte precoce do pai, aos 42 anos, no início da década de 1980. Sentia imensa saudade do ambiente vibrante de outrora.
Mas o espírito festivo dos Weege resistiu. Décadas depois, seu filho mais velho, Pablo, assumiu o papel de anfitrião, retomando os famosos eventos do endereço, sob uma nova roupagem. Ele transformou, por duas vezes, a residência construída pelo bisavô em ponto de encontro noturno da cidade, nos anos 2000.
Primeiro, foi o Bar El Cabrón; depois, a boate Momma, que atraíam a juventude da região do Vale do Itajaí com shows de bandas e DJs de música eletrônica. Sem jamais se destituir da imponente fachada, a casa ajudou a manter vivo o DNA empreendedor e festeiro da família — perpetuando, também, a eterna curiosidade sobre “quem” e “o que” acontecia entre as suas glamourosas paredes.



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