Para todos verem: imagem de uma fotografia antiga em preto e branco mostra uma cena rural com uma construção grande de estrutura enxaimel e uma casa de paredes claras. Na frente da construção, estão duas pessoas, e à direita, um homem está sentado em uma charrete puxada por dois bois, que está parada. Também há uma palmeira alta com folhas longas à esquerda em frente à casa e há tubos ou pedaços de bambus no chão, em primeiro plano. A imagem aparenta ter sido capturada no início do século 20.


Em questão de duas décadas, o complexo empresarial iniciado em 1901 por Hermann Weege se fazia conhecido como o epicentro do Rio do Testo. A Casa Comercial, um armazém de secos e molhados de fachada enxaimel, com uma vistosa porta central e grandes janelas, logo cedo já estava a reunir gente vinda de todos os cantos da vila.

Era onde os moradores levavam seus produtos agrícolas e, em troca, compravam outras mercadorias essenciais para a vida na colônia. Ali, se vendia desde tecidos a medicamentos, de toucinho a ferramentas, e os essenciais trigo, açúcar e querosene.

O dia a dia avançava num desfile de caixotes de mercadorias, pacotes e anotações em cadernetas. Ouvia-se em contínuo a engrenagem da balança, o som de rasgar do rolo de papel e as botas rangendo o piso de tábuas largas. E claro, os senhores eloquentes jogando todo o tipo de conversa fora em baixo alemão.

Enquanto isso, o pátio recebia as carroças com os produtos frescos. Na fábrica de laticínios, o leite abundante era cuidadosamente transformado em queijos, nata e manteiga que abasteciam a vila e os arredores. Também havia os embutidos do Weege. E uma das grandes novidades era a produção de gelo, um verdadeiro luxo para a época, que surpreendia as festas nos clubes de tiro com cerveja gelada, mesmo nos dias mais quentes.

Hermann era o maestro a orquestrar toda essa sinfonia, circulando sempre com um bloco de notas e uma caneta no bolso. Chamava a todos pelo nome e esperava o mesmo em troca. Quando não estava a delegar funções na casa comercial ou na fábrica, estava no escritório, a rabiscar papéis com a sua próxima ideia.

Dessa vez, calculava distâncias e traçava rotas de fios sobre o mapa da região. Seu irmão, August, mais contido — e, segundo a opinião dele próprio, mais sensato — outra vez o observava, com a testa franzida.

— Isso aí é mesmo necessário, Hermann?

— August, estamos falando de comunicação instantânea. Daqui ao Rio de Janeiro, em minutos!

— Em minutos, sim, e em anos para pagar! Vai ser só dor de cabeça depois e isso não vai dar em nada, é jogar dinheiro fora!

Ja, assim como você disse que o veículo sem cavalo era somente um brinquedo muito caro. Confie, o telefone vai mudar tudo.

Na cidade de Blumenau, as firmas, como Salinger Jansen e a empresa de eletricidade de Frederico Busch, já em 1917 haviam iniciado a instalação de linhas telefônicas, atendendo estabelecimentos comerciais e algumas residências urbanas.

Diferentemente dos serviços telegráficos e postais, controlados pelo Estado, a telefonia da região estava sendo mobilizada por empresas privadas que obtinham concessões municipais para operar. Pois em 1926, Blumenau já possuía 166 aparelhos e 165 mil metros de linha, administrados pela então Empresa Telefônica de Blumenau.

Por sua vez, alguns anos depois, em 1931, sob o investimento dos Weege, era a vez de sete linhas telefônicas chegarem ao Rio do Testo, distribuídas em pontos estratégicos. O escritório da firma incluso, obviamente.

A imponente sala tinha lustrosas mesas e cadeiras de madeira e tantos papéis, canetas e carimbos que mais parecia uma repartição pública. Funcionava mesmo ao lado da casa comercial, na parte da frente da casa onde por anos havia sido a residência de Hermann e Pauline.

O primeiro toque a fazer tilintar aquela caixa preta no escritório foi um verdadeiro acontecimento. Meio susto, meio milagre, o som estridente enervou a alma de cada cristão que estava presente dentro e fora do recinto.

— Hermann, está tocando!

— Pois está! Atenda!

— E se for do governo?

— Se for, diga a eles que estou ocupado!

As primeiras ligações foram, na verdade, muito simples e nada marcantes. Quase sempre, uma voz séria do outro lado dizia “alô”, como quem abordava uma dama à dança com certa ansiedade, mas por mera educação, sem o menor carisma.

Às vezes, a ligação caía. Outras, a telefonista confundia os fios e alguém queria falar com um Duwe, da Stadtplatz Blumenau. E também tinha quando chovia e o bicho ficava mudo.

O importante é que, quando queria, aquele aparelho estrambólico funcionava mesmo: o telefone, aos poucos, virou uma máquina de resultados. Com as respostas a encurtarem os meses de distância das cartas, novos e importantes negócios eram fechados em tempo recorde.

Mas August, naturalmente, insistia de que era fogo de palha.

— Você verá, Hermann, daqui a dez anos, ninguém mais vai querer saber disso.

— August, daqui a dez anos você vai me ligar para lembrar dessa conversa!

Hermann seguiu com a manutenção das linhas do Rio do Testo até 1937, quando a Companhia Telefônica Catarinense assumiu o trabalho na região. Sim, ele cedeu toda a estrutura que criou com seus recursos ao órgão do governo.

Ao saber da manobra, August suspirou desapontado, mas não surpreso. É claro que rumou até à sala do escritório em dois tempos, para deixar um manifesto sobre seu ponto de vista. Subiu os degraus da entrada num pulo, ignorando limpar as botas sujas no tapete, e entrou na salinha sem bater.

— Você tem mesmo um talento para dar presente caro aos outros. É incrível!

— Não é presente, meu irmão, é um legado! O telefone, agora, é daqui para o mundo.

Ja, até porque o mundo todo precisa mesmo saber das maluquices de Hermann Weege!

August resmungou mais qualquer coisa e afundou as costas numa cadeira esquecida no canto da sala. Cruzou os braços e olhou pela janela, de onde ouvia-se o murmúrio ritmado dos funcionários a saírem pela rua, encerrando o expediente.

Até onde se sabe, ele nunca admitiu estar errado. Mas também nunca deixou de atender o telefone. Sobretudo, quando vinha com o chamado: “August, é para você! É o Hermann, de novo…”

Deixe um comentário